Cenário setorial Energia

Setor elétrico: concessionárias precisarão se adpatar ao novo mercado não regulado

30 de agosto de 2018

Sistema Inteligente

Do Valor Econômico, por Roberto Rockman

Em junho e julho, pesquisadores saíram às ruas de Cataguases, sul de Minas Gerais, para conversar com a população e a prefeitura e iniciar um estudo sobre a implementação do conceito de cidade inteligente novo município de 70 mil pessoas.

Além de avaliar a possibilidade de instalação de medidores e iluminação pública inteligentes, microgeração distribuída solar, sistemas de armazenamento e mobilidade urbana com bicicletas e veículos elétricos, o projeto, com conclusão prevista para setembro, busca analisa as oportunidades com o avanço da tecnologia.

A ideia é que a partir do próximo ano, sejam colocadas em prática na cidade os primeiros projetos pela Energisa, concessionária local, afirma o gerente de inovação da empresa, Gilson Paulillo.

As novas tecnologias, que prometem revolucionar o setor elétrico, estão na pauta prioritária do setor. O consumidor deixará de ser uma figura passiva: com os medidores inteligente e a instalação de painéis fotovoltaicos, ganha novo poder no sistema, como microgerador.

As concessionárias terão de se adaptar a esse novo mundo, em que uma parcela crescente da receita virá do mercado não regulado. O desafio do País será criar uma regulação que incentive essas tecnologias, mas não onere ainda mais as tarifas. “A equação se tornaria mais fácil com a redução de tributos, mas a crise fiscal, que deve continuar apertando as contas da União e Estados nos próximos quatro anos, dificulta isso”, destaca Daniel Martins, sócio da consultoria Roland Berger

Parte mais visível da revolução, os mediadores inteligentes ainda ensaiam os primeiros passos no Brasil, com projetos baseados no programa de Pesquisa e Desenvolvimento da Aneel. A CPFL Energia decidiu, em março, que seu projeto piloto de medidores inteligentes para baixa tensão será em Jaguariúna (SP). Para que a inovação ganhe escala, o setor demanda incentivos. “Será preciso resolver questões regulatórias, o reconhecimento na tarifa é dado apenas na revisão periódica, que ocorre a cada quatro a cinco anos, com uma tecnologia que demanda investimento intensivo em dez anos ou mais. É preciso reconhecer que elas podem acelerar a adoção de carros elétricos ou de microgeração distribuída”, diz Caio Malagoli, diretor de engenharia da empresa.

A reforma do setor elétrico não trata do tema, mas a Aneel poderá rever, em 2019, a metodologia do custo de capital das concessionárias para as rodadas de revisões periódicas de tarifas da próxima década. As empresas discutem como criar mecanismos que incentivem em novas tecnologias.

Para Carlo Zorzoli, presidente da Ennel, que recentemente adquiriu o controle da AFS no Brasil, a digitalização ocorre em três movimentos. Primeiro, é feita a instalação de alguns elementos digitais na rede, o que permite um conhecimento mais preciso do estado da rede, em comparação ao padrão histórico. O segundo movimento é obtido com as redes inteligentes e a instalação dos medidores que leem o consumo e podem mostrar quanto o consumidor gera de energia. O terceiro nível está ligado à existência de uma série de sensores na rede que, junto aos medidores eletrônicos e aos equipamentos da digitalização básica, permitem acompanhar a condição dos equipamentos, como a temperatura dos transformadores, alinhado à análise de dados. “O que separa o Brasil desta segunda etapa de digitalização é a questão regulatória, já que não se reconhece o valor investido pelas empresas na adoção de medidores eletrônicos”, afirma Zorzoli.

Uma parte da regulação também está sendo tratada no Projeto de Lei 1917, que tramita no Congresso e prevê ampliação do mercado livre e alguns aperfeiçoamentos que podem incentivar novas tecnologias. “O projeto traz alguns direcionadores importantes para maximizar o valor de ativos como as hidrelétricas. A  precificação da eletricidade em base horária e da capacidade de atendimento à ponta e rampa devem trazer novas oportunidades, observa Eduardo Sattamini, presidente da Energie Brasil Energia

A operação do sistema será mais complexa, o que exigirá mais tecnologia. O horário de maior consumo migrou da novela das 21 horas para o meio da tarde, quando o acionamento do ar condicionado é intenso nos escritórios. As hidrelétricas, que há 25 anos respondiam por 90% da geração, hoje respondem por cerca de 60%. Em 19 de agosto, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) registrou novo recorde horário de geração eólica, atendendo 98% da demanda do Nordeste.

A geração distribuída será mais presente. “Haverá incertezas climáticas, necessidade de previsões sobre temperaturas, irradiação, ventos, chuvas e uma tendência de que o mercado livre aumente e o consumidor ganhe mais poder, com as distribuidoras ganhando mais autonomia e tendo novas funções nesse contexto”, destaca Gilberto Figueira, líder empresarial da Macroplan, que recentemente entregou estudo de planejamento estratégico para o ONS.

No Brasil, estima-se crescimento de 3,7% ao ano do consumo de energia elétrica até 2026, de acordo com dados da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE). Geração distribuída com painéis fotovoltaicos deve ganhar espaço na matriz. Segundo projeções do governo, a capacidade instalada do setor pode crescer mais de dez vezes nos próximos dez anos, para 3 GW de potência instalada.

Redes de farmácias, escolas, hospitais, agências bancárias estão começando a analisar investimentos no setor, de olho na redução da conta de energia. A recente onda de reajustes de concessionárias, acima de dois dígitos, aqueceu o segmento, diz o presidente da AES Tietê, Ítalo Freitas. “Contatos que foram feitos há um ano, agora voltaram a ser discutidos pela alta de custos”, relata.

Sistemas de armazenamento também ganharão escala, seja em grandes consumidores, interessados em melhorar a qualidade do abastecimento e reduzir oscilações na rede, seja em distribuidoras. “Claramente, o armazenamento terá um papel importante e poderá se de forma concentrada, com usinas de armazenamento, ou de forma distribuída , em que, por exemplo, dezenas de milhares de carros elétricas poderão fornecer serviços de armazenamento e balanceamento quando conectados a uma rede de distribuição inteligente. No último caso, o mesmo consumidor residencial poderá atuar dessa forma quando possuir um medidor inteligente”, diz Zarzoli, da Enel