Cenário setorial Energia

Estudo da Macroplan indica que receita gerada por royalties e participações especiais deve ser usada para diversificar as atividades econômicas e contribuir para o bem-estar social.

21 de janeiro de 2019

Nos 80 anos da descoberta de petróleo no país, que foi num poço em terra, em Lobato, bairro na periferia de Salvador, a indústria de óleo e gás volta hoje suas atenções para o desafio de alavancar a produção nas águas profundas do pré-sal. Em fase de recuperação, a cadeia do setor mergulhou em grave crise depois que vieram à tona, em 2014, os escândalos de corrupção na Petrobras revelados pela Operação Lava-Jato.

A turbulência teve forte impacto na economia, com corte de vagas, cancelamento de encomendas e negócios fechados. Para cidades dependentes da indústria, restou a lição de que a receita gerada por royalties e participações especiais deve ser usada para diversificar as atividades econômicas e contribuir para o bem-estar social.

Para a Petrobras, o caminho a partir da crise foi rever seu modelo de atuação. A estatal passou a priorizar atividades estratégicas e apostar em parcerias para fazer frente ao desafio tecnológico e financeiro de explorar petróleo a mais de 300 quilômetros da costa. Neste cenário, a companhia começou a se desfazer de projetos que não fazem mais sentido economicamente, como campos de petróleo em terra. É com estas áreas que o setor espera fortalecer o mercado de pequenas e médias empresas

Para as gigantes, todos as atenções este ano estão voltadas para o megaleilão do pré-sal, com perspectiva de arrecadar até R$ 100 bilhões. E não são só as petroleiras que estão de olho. Diante da crise fiscal, os estados pleiteiam parte das receitas para ajudar a colocar as contas em ordem.

Mesmo com um volume de produção no pré-sal muito superior ao que se registrava até então, as empresas já começam a se preparar para um futuro em que o petróleo não será o único protagonista. As petroleiras querem ser percebidas como empresas de energia. Para manter sua relevância nas próximas décadas e atrair novas fontes de receitas, já iniciam uma transição para um novo cenário no qual fontes como eólica e solar terão mais espaço.

Lava-jato: a maior crise da história da estatal

Um amplo esquema de corrupção que envolvia empreiteiras, funcionários da Petrobras, operadores financeiros e agentes políticos foi revelado em 2014, com a Operação Lava-Jato. A estatal contratava empreiteiras em licitações fraudadas. As empresas combinavam entre si qual seria a vencedora da disputa e superfaturavam o valor da obra. Parte do dinheiro era desviado para pagar propina a antigos executivos que, em troca, aprovavam os contratos com irregularidades. O esquema envolveu grandes projetos, como a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro).

O custo da corrupção para a Petrobras foi alto. Após a revelação do caso, a companhia teve quatro anos seguidos de perdas, foi obrigada a rever projetos e fechou, no ano passado, um acordo bilionário de US$ 2,95 bilhões com investidores nos Estados Unidos. Na Justiça, a estatal argumentou ter sido vítima da ação orquestrada de ex-empregados e defendeu que deveria ser ressarcida pelas perdas.

Os efeitos na economia causados pela crise se multiplicaram: fornecedores fecharam as portas, encomendas ao setor naval foram canceladas, com impacto no total de desempregados. Nas cidades dependentes de grandes projetos interrompidos, como Itaboraí, o cenário durante essa fase era de corte de vagas e aumento do número de escritórios, lojas e hotéis vazios.

Combinado a um cenário, na época, de queda no preço do petróleo, o Estado do Rio foi o mais afetado. A crise trouxe à tona o debate sobre as oportunidades desperdiçadas pelo estado, que não diversificou a economia nem transformou a renda do setor em desenvolvimento econômico e bem-estar social.

Síndrome do novo rico

O uso dos royalties e participações especiais é um retrato das escolhas equivocadas dos gestores públicos. Nos municípios produtores, recursos que pareciam infinitos no auge da produção da Bacia de Campos e dos altos preços do petróleo no mercado internacional foram usados para pagamento do funcionalismo e outras despesas correntes, além de ganhar destinos como uso de porcelanato em calçadas e financiamento de carnaval.

E a parte que caberia ao estado já foi empenhada junto ao Rioprevidência: uma arrecadação futura de R$ 128,5 bilhões, equivalente a 13 vezes o montante recebido em impostos em 2018.

Já em 2012, a consultoria Macroplan fez um levantamento do uso dos recursos dos royalties e mostrou a irresponsabilidade reinante na esmagadora maioria dos municípios. Claudio Porto, que coordenou o estudo, comenta que a experiência das cidades brasileiras mostra que elas não se beneficiaram da riqueza do petróleo. Ao contrário, são marcadas por alto custo de vida, favelização, insegurança, serviços públicos de má qualidade, indicadores sociais sofríveis e grande desperdício de dinheiro público:

— Esses absurdos resultam por um lado de uma mistura de regulação frouxa com fiscalização burocrática e por outro de uma tradição imediatista e assistencialista. Além disso, há a síndrome do novo rico. As corporações políticas, empresariais e funcionais criam aumentos salariais, novos empregos públicos, novos subsídios. Quando o preço do petróleo ou a produção cai, é tarde demais.

Em alguns casos, a lição foi aprendida. Desde a crise da Petrobras, algumas cidades fluminenses investiram na criação de um fundo para poupança de royalties e estabeleceram restrições ao financiamento de despesas de custeio com os recursos.