Business Insights

A cooperação empresarial como alavanca da economia circular

1 de junho de 2023
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    Fabio Ono & Beatriz Luz

    A série Macroplan Business Insights traz reflexões que impactam o mundo dos negócios. O primeiro volume1 apresentou proposta referente a “uma agenda de renovação competitiva das associações empresariais brasileiras”. Como desdobramento dessas recomendações, este volume traz um olhar para a agenda ESG e uma proposta estratégica para as associações empresariais. ESG, ou ASG em português, é uma sigla que representa três dimensões importantes para os investimentos e os negócios sustentáveis: meio ambiente (Environmental), responsabilidade social (Social) e governança corporativa (Governance).

    Em colaboração com a Exchange 4 Change Brasil, organização independente que nasceu em 2015 com a missão de impulsionar a economia circular no país, são apresentadas aqui propostas de estratégias de atuação para as associações empresariais com um olhar para a economia circular. A intenção é mostrar a conexão da economia circular com a agenda ESG, a visão global da circularidade e o potencial das associações empresariais para liderar as mudanças, ao mesmo tempo que se reduz o risco para os negócios e se minimizam os impactos das mudanças climáticas.

    Autores:

    1. Fortalecimento das bases para uma economia circular

    Seguindo o modelo atual de desenvolvimento econômico, o consumo mundial de matérias-primas como biomassa, combustíveis fósseis, metais e minerais deverá duplicar nos próximos 40 anos. Com isso, a geração de resíduos poderá aumentar mais que o dobro da taxa de crescimento da população mundial até 2050, o que significa que, se mantivermos os mesmos padrões de produção e consumo, até 2050 o mundo consumirá recursos como se houvesse três planetas Terra.

    É imperativo mudar o atual modelo econômico – caracterizado pela extração de recursos naturais, produção de bens e descarte de resíduos e conhecido como “modelo linear de produção” – para um “modelo circular”. Tal modelo propõe redução de desperdícios, aumento da efetividade no uso de recursos, durabilidade dos produtos, novas formas de consumo e cadeias reversas, com potencial de inovação para geração de emprego e renda2.

    Os princípios de economia circular estão intimamente relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), e cuja meta é garantir um futuro sustentável para o planeta e para as pessoas até 2030. Em especial, a economia circular está intimamente associada ao ODS12 – Consumo e Produção Sustentáveis –, pois visa à geração de valor de forma equilibrada ao longo da cadeia produtiva, com novas formas de produzir, consumir e se relacionar.

    A transição para a economia circular requer compromissos governamentais e empresariais na direção desse novo modelo de desenvolvimento de negócios, com incentivos financeiros e mudanças significativas nos processos produtivos, além de inovação tecnológica, novos valores, novas atitudes e novos comportamentos por parte da sociedade. Exige, portanto, um esforço conjunto de diversos setores produtivos, da academia, dos governos e da sociedade civil, por meio
    de um novo modelo de governança que reúne todos os atores e define papéis e responsabilidades, situando a colaboração como um dos aspectos mais importantes para o processo de transformação da sociedade moderna3.

    A transição para modelos de negócios e produtos mais sustentáveis já está em curso e impacta de diversas formas, empresas e setores econômicos.

    Como avançar

    Para avançar com a abordagem da economia circular, é necessário inovar em modelos de estão e estabelecer uma nova cultura empresarial para a geração de negócios com processos mais cooperativos, baseados em parcerias com fornecedores e estímulos à construção de relações comerciais diferenciadas ao longo da cadeia produtiva. A tomada de decisão embasada em aspectos isolados, em resultados no curto prazo e em decisões orientadas estritamente pela competição e eficiência não é mais suficiente. É necessário atuar de forma diferente. A mudança para transformar produtos em serviços, consumidores em usuários, e promover o reparo, o compartilhamento e o uso de embalagens retornáveis, é urgente para reduzir a geração de resíduos e manter o uso prolongado de recursos e produtos.

    Nesse sentido, as associações empresariais têm o papel estratégico de estimular
    uma visão de futuro ampliada, sustentada em práticas colaborativas, em iniciativas sistêmicas e em um novo modelo de competitividade setorial. Conforme se argumentou em outro documento da Macroplan4, “a representação empresarial continuará sendo pauta permanente das associações, mas, sozinha, não entregará os benefícios hoje requeridos. Em um contexto de transformações aceleradas e mudanças nos padrões de competitividade, a atividade associativa poderia se reinventar na direção de um novo portfólio de atividades, promovendo a transição
    para um modelo renovado de governança, liderando coalisões, estimulando novas estratégias e métodos de gestão” e fortalecendo as bases para novos modelos de negócios.

    A Exchange 4 Change Brasil reitera essa visão acrescentando que o processo de transição ocorre através da consciência de que um modelo regenerativo e circular faz sentido econômico e garante a sobrevivência dos negócios. Oportunidades de mercado e novas práticas regulatórias deverão influenciar as empresas a trocar de estratégia, buscar novas matérias-primas e construir parcerias ao longo da cadeia produtiva, a fim de manter e criar valor para os materiais e produtos ao longo do tempo. Segundo estimativas do Fórum Econômico Mundial, a transição para a economia circular apresenta oportunidades de crescimento global da ordem de US$ 4,5 trilhões até 2030. Além disso, se o índice de circularidade dos materiais dobrar – hoje esse índice se encontra em menos de 8% globalmente –, estima-se redução das emissões em até 40% até 20505.

    Sendo assim, neste documento, as duas organizações unem suas habilidades e experiências com o objetivo de propor uma visão estratégica para as associações empresariais, visando torná-las protagonistas da pauta ESG para que atuem como catalisadores da abordagem de economia circular para o mercado brasileiro.

    Visão Global

    Em todo o mundo há esforços para se promover a economia circular por meio de medidas regulatórias e de incentivos econômicos. A Comissão Europeia lançou em 2015 o Plano de Ação Circular, que incluiu ações para estimular a reutilização, a reciclagem, a redução do desperdício e o redesign de produtos. Em 2018, o plano tornou-se lei na Europa e, em março de 2020, foi lançado um novo Plano de Ação, com medidas regulatórias e metas para vários setores industriais. São determinações que incluem, por exemplo, a proibição da venda de produtos descartáveis de plástico, a promoção do reuso e reparo, o redesign de produtos, a compostagem de resíduos orgânicos e metas ambiciosas para a reciclagem de materiais.

    A União Europeia acredita que só será bem-sucedida na transição se a implementação da economia circular acontecer de forma justa, eficiente em termos de recursos, com tecnologias de baixo carbono e em nível global, destacando a importância do avanço do tema em outras regiões, como África e América Latina. Nesse sentido, uma aliança global sobre Economia Circular e Eficiência de Recursos (Gacere) foi criada a fim de fomentar a cooperação internacional e a transparência das cadeias produtivas. Também uma coalizão dedicada à América Latina e o Caribe6 foi lançada, tendo em vista posicionar a economia circular como um novo modelo de desenvolvimento econômico para a região.

    Visão Brasil

    O Mapa Estratégico da Indústria 2018-2022 da Confederação Nacional da Indústria (CNI) já considerava a economia circular um elemento-chave para o desenvolvimento dos negócios. Em 2021, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) apresentou os resultados do primeiro estudo para a construção de um Roadmap de Economia Circular para o Brasil. O estudo traçou um mapa dos principais atores interessados no tema, identificou iniciativas públicas e privadas e indicou metas engajadoras para a implementação de um modelo de economia circular para o país. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), instituído em 2022, estabeleceu o objetivo de se recuperar 20% de recicláveis secos em relação à massa total de resíduos sólidos urbanos (RSU) até 2040 e previu avanços na coleta seletiva de resíduos, na triagem mecanizada acoplada à coleta convencional e em sistemas de logística reversa, sobretudo de embalagens.

    Desde 2022, vários projetos de lei têm sido apresentados para estimular a implementação da economia circular no Brasil. O Projeto de Lei nº 1.874/22, por exemplo, trata da criação da Política Nacional de Economia Circular (PNEC) e está sendo avaliado pelo Senado Federal. O Hub de Economia Circular, primeiro ecossistema de indústrias brasileiras, opera desde 2020 para acelerar a implementação da economia circular no país. Identificado pelo estudo de roadmap brasileiro como uma das principais iniciativas a impulsionar a transição no país, o Hub de Economia Circular reunia, em 2023, 15 empresas de variados setores e elos da cadeia produtiva. Na COP26, a economia circular foi apresentada como uma das quatro áreas prioritárias da CNI para o Brasil poder atingir a agenda de baixo carbono.

    2. Os princípios e os compromissos para a economia circular

    De acordo com o Manifesto para a Transição Circular elaborado pelo Hub de Economia Circular7, a economia circular traz novas perspectivas para a definição de lucro e geração de valor para os negócios, tendo por base uma nova régua econômica e processos de design de produtos e serviços que devem incluir não somente as fases de design, de seleção de matérias-primas e de uso, mas também a fase de pós-uso. Essa abordagem, que se contrapõe à da economia linear, pouco atenta ao destino dos materiais após o seu uso, toma como padrão outras referências baseadas no ciclo reverso de materiais e na dinâmica de fluxo de energia na natureza, onde não há resíduos, e propõe um novo paradigma econômico e ecologicamente8 sustentável, fundamentado nos 9Rs de Reuso, Reparo, Remanufatura e Reciclagem.

    Fonte: E4CB (adaptado de Achterberg, et al., 2016).

    Para que ocorram ciclos efetivos em uma economia circular, todas as etapas da cadeia devem operar com solidez e fluidez. Por exemplo, a etapa de manufatura precisa se valer, ao máximo, do aproveitamento de materiais do seu próprio processo (resíduos pós-industriais), do reaproveitamento de bens industrializados (remanufatura), do compartilhamento (extensão da vida útil) e da redução de uso de matérias-primas fósseis, substituindo-as por materiais reciclados e renováveis. Já no elo do uso/consumo, é essencial criar incentivos para que o consumidor se torne um ator importante para a reciclagem e a remanufatura, incentivado pelas práticas de reparo, reuso, compartilhamento, separação e destinação adequada dos materiais. Além disso, é fundamental que ele busque consumir bens e serviços com abordagens circulares, como produtos a granel, com embalagens retornáveis e fabricadas com materiais reciclados, renováveis ou compostáveis, produtos de segunda mão ou remanufaturados.

    Uma mudança dessa magnitude implica um grande desafio sistêmico que requer várias ações simultâneas para que se possa promover um novo arcabouço geopolítico, de comportamentos e modelos de negócios.

    Compromissos e governança circular

    Diversas coalizões empresariais e medidas governamentais têm surgido para impulsionar uma transição para novos modelos econômicos ambientalmente mais sustentáveis. Alguns países vêm adotando compromissos extremamente ambiciosos, como a Holanda, que estabeleceu a meta de ser 100% circular até 2050. A ex-ministra do Meio Ambiente no país, Jacqueline Cramer argumentou que diferentes atores estão acostumados a trabalhar em silos, às vezes até dentro das próprias organizações. Construir iniciativas circulares por meio de novas formas de cooperação é um verdadeiro desafio. Para Cramer, os intermediários, ou transition brokers (“facilitadores da transição”), podem ajudar a alinhar todas as partes interessadas relevantes. Nesse caso, eles devem ser indivíduos ou organizações com conhecimento, facilidade de interação e comunicação, posicionando as associações empresariais como um ator-chave, por serem instituições que representam interesses comuns de empresas de um setor e têm poder de influência para articular uma agenda comum.

    3. Qual o papel das associações empresariais para a economia circular?

    Conforme exposto em outro relatório da Macroplan9, as associações empresariais devem prestar importantes serviços a seus associados, em especial contribuindo para o desempenho competitivo do setor, o que requer boas práticas de gestão.

    Entre os elementos do modelo de gestão apresentados no documento citado, destacam-se quatro principais pontos, sob a perspectiva da transição para uma economia circular:

    Fonte: Adaptado Macroplan (“Uma agenda de renovação competitiva das associações empresariais brasileiras).

    Postura estratégica antecipatória

    As associações podem antecipar tendências e fornecer o tempo e o esforço necessários para que suas associadas façam a transição para novos modelos de negócios. Seja aproveitando oportunidades competitivas, seja adaptando práticas a um novo arcabouço regulatório, ou seja mitigando os riscos de serem potencialmente excluídas de alguns mercados.

    Uma estratégia bem concebida e que conte com a adesão dos associados induz ao desenvolvimento da associação, antecipando-se os obstáculos a serem superados e tornando evidentes as oportunidades de crescimento. A transição de uma economia de acionistas para uma economia de partes interessadas10 é uma macrotendência que pode afetar diversos setores. Nesse modelo, as empresas levam em consideração não apenas o lucro dos acionistas, mas também as necessidades e interesses de todas as partes interessadas envolvidas no negócio, como funcionários, clientes, fornecedores, comunidades locais e meio ambiente. Na perspectiva ambiental (o “E” do ESG), as práticas de sustentabilidade serão cada vez mais associadas a modelos de economia circular.

    Sintonia com o ambiente internacional

    O esforço global de transição para uma economia circular deve influenciar os reguladores brasileiros e afetar fatores de competitividade de diversos setores produtivos. Por isso as associações podem prover inteligência sobre práticas internacionais e antecipar o diálogo com reguladores.

    Diversos países e regiões do mundo têm adotado medidas cada vez mais restritivas ao uso e à comercialização de alguns produtos em prol da economia circular. O Reino Unido, por exemplo, proibiu o fornecimento de plásticos descartáveis em restaurantes a partir de 2023. Na Europa, as garrafas PET deverão conter, no mínimo, 25% de material reciclado até 2025. Os Estados Unidos passaram a exigir níveis próximos de zero de presença de PFAS11 na água.

    A União Europeia aprovou um conjunto de diretrizes estabelecendo requisitos de “ecodesign” ou a concepção ambientalmente sustentável de produtos, com medidas setoriais específicas para a circularidade de têxteis e de materiais de construção. Novas etiquetas energéticas da União Europeia indicarão uma pontuação de reparabilidade de produtos e, por meio de QR Codes, será estabelecido um passaporte digital de produtos que permita aos consumidores obterem mais informações sobre o potencial de circularidade de determinados bens. Essas práticas já estão impactando empresas brasileiras, sobretudo multinacionais e exportadoras para países com requisitos mais rigorosos. Agir antecipadamente pode fazer a diferença entre capturar oportunidades ou ficar de fora de mercados.

    Inserção na dinâmica de inovação tecnológica

    Tanto os novos normativos quanto a preferência de consumidores tenderão a estar cada vez mais orientados pelo chamado “design circular”12, que significa projetar produtos ambientalmente responsáveis em todos os seus estágios. Vale dizer, que sejam concebidos para ser duradouros e eficientes em termos energéticos e em termos de aproveitamento dos recursos, além de serem reparáveis e recicláveis, com prevalência de materiais reciclados em sua composição. As associações empresariais podem ter um papel decisivo na disseminação de informações relevantes para a inovação no nível empresarial. Mais do que isso, podem construir as bases para inovações setoriais com vistas à transição para uma economia circular, bem como participar ativamente de fóruns especializados.

    São imensas as possibilidades de criação de novos materiais, produtos e modelos de negócios para impulsionar a transição para a circularidade. Apenas para citar alguns exemplos, tem havido inovações em modelos de produtos como serviços, reciclagem e logística reversa, reutilização e serviços de reparação. A Organização Internacional de Normalização (ISO) formou um comitê técnico (ISO/TC 323) para o desenvolvimento de modelos, ferramentas e requisitos com o intuito de fomentar práticas de circularidade em seus processos e serviços. Cerca de 70 países, incluindo
    o Brasil, participaram dos debates em torno do desenvolvimento de normas técnicas de orientação em economia circular.

    Organização em rede

    As associações empresariais têm um papel clássico de defesa de interesses do setor e de posicionamento perante medidas regulatórias. Tal papel pode ser impulsionado pela coordenação de redes de especialistas e pela articulação com demais setores, de forma a ampliar a sua capacidade de impacto. O desenvolvimento de práticas circulares requer diversos conhecimentos especializados. A boa notícia para as associações empresariais é que elas podem ser atores estratégicos para o impulso à transição, atuando em rede. Primeiramente, é importante identificar e reunir conhecimentos relevantes internamente, isto é, entre as próprias empresas associadas. Em segundo lugar, organizando-se uma rede de especialistas externos para os temas de interesse coletivo identificados, pode-se converter custos fixos em custos variáveis da associação. Tais medidas têm o potencial de estimular a adaptação da associação às novas tecnologias e a inovação de suas associadas, favorecendo a competitividade e os atributos de sustentabilidade setoriais.

    Constituição de parcerias estratégicas

    As associações empresariais têm o potencial de se estabelecerem como transition brokers, ou facilitadores da transição, potencializando mais do que a vantagem competitiva no nível empresarial, já que promovem a vantagem colaborativa no nível setorial. O conceito de vantagem colaborativa estabelece uma relação de parceria entre as empresas, em que cada uma pode contribuir com seus pontos fortes e suas competências, de modo a gerar um benefício mútuo. O princípio da colaboração, segundo o qual “a união faz a força”, está na gênese das
    associações empresariais, criadas para atuar em prol de interesses coletivos e setoriais. A transição para a economia circular traz consigo desafios alinhados com a chamada “tragédia dos comuns” e exige parcerias e atuações colaborativas. A mudança requer que as organizações saiam de seus “silos” e busquem uma redefinição de papéis, além de uma “diplomacia” circular que integre diversos atores da cadeia produtiva para se construir agendas comuns, priorizando-se áreas de convergência por meio de coalizões multissetoriais que visam ao compartilhamento de custos e benefícios.

    Em uma perspectiva mais sistêmica, considerando-se a circularidade de toda a cadeia produtiva, o desafio é compreender o fluxo de materiais e energia e suas cadeias correlatas, para vislumbrar oportunidades de colaboração não apenas entre empresas, mas também entre setores. Por exemplo, o funcionamento de cadeias de logística reversa de determinados materiais poderia se dar de modo mais eficiente por meio da rastreabilidade de matérias-primas e pelo compartilhamento de infraestrutura entre diferentes processos de reciclagem. Ao fomentar o diálogo intersetorial e promover parcerias estratégicas, as associações empresariais podem prestar um excelente serviço a toda a cadeia produtiva.

    4. Os sete passos para transformar as associações empresariais em agentes catalisadores da economia circular

    Com vistas à promoção de um impacto coletivo13 e para auxiliar as associações empresariais dos mais variados setores a atuar estratégica e sistemicamente na liderança da transição para a economia circular, tornando-se protagonistas da pauta ESG, a seguir, são propostos sete passos.

    Passo 1: Educar seus associados sobre o modelo da economia circular e a conexão com as metas ESG

    Tudo começa com uma sensibilização e um chamado para a ação. Devem-se promover campanhas informativas sobre os conceitos e os benefícios dos modelos ESG, assim como um alinhamento conceitual sobre economia circular a partir de uma visão para além do fluxo de materiais e reciclagem. É necessário demonstrar aos associados o senso de urgência para a transição considerando-se as oportunidades de minimizar os impactos das mudanças climáticas, agindo-se antecipadamente e implantando-se soluções circulares motivadas por demandas crescentes de consumidores e pela pressão de reguladores por uma produção mais limpa e circular. Deixar de agir ou omitir-se dessa pauta pode significar a exclusão de determinados mercados.

    Passo 2: Estimular conversas multissetoriais e participar de eventos especializados

    As associações podem incentivar o diálogo e a cooperação com outras associações e com diferentes setores da economia, como indústria, comércio, serviços, agricultura e governo, a fim de identificar oportunidades e desafios para a implementação da economia circular14. Para isso é fundamental que se defina uma visão compartilhada para a mudança, incluindo-se aí um entendimento do problema e uma abordagem conjunta para resolvê-lo por meio de ações alinhadas, além de uma agenda comum. Perguntas podem ser usadas como convites a conversas no conselho, buscando-se envolver e engajar os associados e os demais stakeholders na definição dos objetivos e das estratégias para se alcançar a economia circular. Por exemplo, a partir desse diálogo multissetorial, as associações podem estabelecer metas e indicadores de economia circular para osetor, com o redução de emissões, uso de insumos circulares, recuperação de recursos e, consequentemente, antecipar-se a medidas regulatórias impositivas, transformando desafios em oportunidades.

    Participar de eventos nacionais e internacionais sobre o tema é uma forma de conhecer tendências e expandir a rede de relacionamentos para a troca de experiências, conhecimentos e boas práticas com outros agentes e, assim, acelerar os processos de transição para a economia circular.

    Passo 3: Formar um comitê técnico para debater a transição para a economia circular

    Recomenda-se a criação de um grupo de trabalho interno, formado por representantes dos associados, mas de diferentes áreas de negócios (técnica, comercial, jurídica etc.), para coordenar as ações e as iniciativas relacionadas à economia circular. Esse comitê pode ser responsável por definir objetivos, metas, indicadores e planos de ação, além de monitorar as atividades de economia circular dentro da associação e entre seus associados.

    Sem energia e sem uma estrutura de apoio dedicada a suportar as ações, pouco acontece. As associações podem desempenhar o papel de uma espinha dorsal do sistema, favorecendo custos e benefícios compartilhados entre os participantes, promovendo um fórum qualificado e oferecendo capacitação, informação, consultoria, financiamento e articulação política para seus associados e demais parceiros na transição para a economia circular.

    Passo 4: Analisar referências nacionais e internacionais (benchmarking)

    Muitas vezes não é necessário “reinventar a roda”. As associações podem se valer de estudos e pesquisas já existentes para conhecer as melhores práticas e os casos de sucesso de economia circular no Brasil e no mundo. Essas referências podem servir de modelo e inspiração para que suas associadas inovem e adotem modelos de negócios e processos produtivos mais circulares, eficientes e sustentáveis. Entre os elementos a serem estudados e analisados estão, por exemplo, a dimensão técnica, os novos modelos de negócios, as parcerias multissetoriais, as mudanças regulatórias e tributárias. Novamente: as associações podem prover valiosos serviços de inteligência sobre boas práticas nacionais e internacionais adaptando soluções globais para a realidade brasileira.

    Passo 5: Desenvolver um plano estratégico setorial para o tema

    Este é o momento de consolidar um planejamento estratégico. Para os autores, a essência da formulação e da prática da visão estratégica pressupõe uma tríade que articula antecipação, escolha e ação. 1) antecipação compreende uma avaliação situacional e retrospectiva (onde estamos? como evoluímos até aqui?) e um mapeamento de tendências e incertezas relativas ao futuro (onde poderemos chegar?); 2) mas antecipar não é suficiente, é preciso fazer escolhas, que se desdobram em objetivos e metas indicativas de curto, médio e longo prazos; 3) o planejamento deve cuidar de preparar o início da implantação e viabilizar uma agenda de vitórias rápidas enquanto o ânimo dos participantes se mantém favorável.

    Dada a natureza sistêmica da transição para a economia circular, propõe-se uma abordagem colaborativa, com especialistas e conselheiros técnicos, a fim de que as associações planejem sua atuação em rede com outros setores ou elos da cadeia produtiva. Uma forma de fortalecer a colaboração, a fim de que os esforços permaneçam alinhados e os participantes se responsabilizem uns pelos outros, é construindo um ambiente de confiança mútua que garanta a coleta de dados e a mensuração de resultados de modo consistente entre seus parceiros e associados. Por exemplo, as associações podem criar um sistema de suporte, monitoramento e avaliação dos projetos-piloto de economia circular, para fortalecer o engajamento, verificar o impacto e os aprendizados, compartilhando indicadores e conceitos de desempenho comuns.

    Passo 6: Comunicar aos associados e ao mercado: visão adaptada à realidade brasileira

    Divulgar uma mensagem clara e consistente sobre o seu compromisso com a transição para a economia circular irá favorecer a imagem da associação. Essa mensagem pode ser apresentada por meio de um Guia de Economia Circular que visa destacar os valores, os princípios e as metas adaptadas para a realidade brasileira. Além disso, a mensagem pode mostrar como a economia circular se alinha ao novo modelo de “capitalismo de stakeholders”, que busca gerar valor não apenas para os acionistas, mas para todas as partes interessadas, como clientes, fornecedores, funcionários, comunidades e meio ambiente. O guia pode trazer casos já existentes no mercado identificados por meio de um trabalho de diagnóstico estruturado por especialistas, destacando-se as ações de seus associados e o papel da liderança.

    O Círculo da Transição Circular da Exchange 4 Change Brasil demonstra a importância do processo de comunicação e educação como base para a transformação. É preciso adquirir conhecimento para querer mudar, crescer e se desenvolver. A transição começa a partir do compartilhamento de conhecimentos e da aprendizagem de novos conceitos, valores e atitudes. Além disso, a comunicação contínua facilita o alinhamento e a coordenação entre os participantes, evitando-se mal-entendidos e conflitos e fortalecendo-se os laços de confiança e os espaços para a colaboração e a inovação

    Fonte: E4CB.

    Passo 7: Identificar e executar projetos piloto

    Atuando como facilitadores da transição, as associações devem promover a cooperação e a integração entre os diferentes elos da cadeia produtiva, e projetos-piloto podem servir como testes para avaliar os resultados, os benefícios e as dificuldades da implantação, na prática, de modelos circulares. Esses projetos servem para a aplicação de conceitos e ferramentas de economia circular em diferentes etapas do ciclo de vida dos produtos ou serviços, como design, produção, consumo, descarte e recuperação. Além disso, os projetos-piloto contribuem para os processos de mudanças e a construção de capacidades nas empresas, por meio de ações e aprendizados decorrentes das ações.

    É importante selecionar e executar projetos-piloto, com especial atenção àqueles com ganhos mais imediatos. Os resultados e os impactos das iniciativas podem ser potencializados desde que se evite a duplicação de esforços entre as partes envolvidas, explorando-se as complementariedades e as atividades que se reforcem mutuamente. Para isso, as associações devem partir da identificação de atores e de competências tanto entre associados quanto entre especialistas de mercado que irão contribuir com conhecimento, tecnologia, recursos, facilitando parcerias multissetoriais para a construção de soluções circulares entre diferentes cadeias produtivas. Além disso, as associações devem buscar compreender as possíveis sobreposições e complementariedades entre as atividades dos diferentes atores, com a intenção de alinhar e integrar as suas ações em prol de um objetivo comum.


    1 Insights Macroplan: Uma agenda de renovação competitiva das associações empresariais brasileiras. Disponível em: <https://www.macroplan.com.br/p/macroplan-business-insights-1/>.

    2 Por exemplo, para que os produtos possam ser recuperados e duráveis, é importante que sejam projetados de forma modular e com materiais facilmente recuperáveis. As peças devem ser substituíveis ou reparáveis. É preciso que os designers trabalhem junto com os fabricantes considerando a fase de pós-uso dos produtos e não somente a experiência do consumo na fase de uso. Essa deve ser uma responsabilidade compartilhada ao longo da cadeia produtiva.

    3 Tais desafios estão conectados com o conceito da “tragédia dos comuns”, popularizado pelo ecologista Garrett Hardin no ensaio “The Tragedy of the Commons”. Refere-se ao fato de que, quando um recurso é de uso comum, ou seja, não é de propriedade de ninguém em particular, cada indivíduo se sente incentivado a maximizar o próprio benefício, sem levar em conta os efeitos negativos sobre os outros usuários do recurso e sobre o meio ambiente em geral. Como resultado, o recurso é frequentemente explorado de forma excessiva, levando à sua exaustão e à degradação do meio ambiente. Para superar a tragédia dos comuns, é preciso uma integração entre os atores da cadeia produtiva e a construção de uma nova agenda comum.

    4 Insights Macroplan: Uma agenda de renovação competitiva das associações empresariais brasileiras. Disponível em: <https://www.macroplan.com.br/p/macroplan-business-insights-1/>.

    5 Ellen Macarthur Foundation, “Completando a figura: como a economia circular ajuda a enfrentar as mudanças climáticas”.

    6 Em inglês, Circular Economy Coalition for Latin America and the Caribbean.

    7 Disponível em: <https://materiais.e4cb.com.br/manifesto-para-transicao-circular>.

    8 Interessante notar que, etimologicamente, as palavras “economia” e “ecologia” compartilham da mesma raiz, “eco” (do grego “oikos”), que significa “casa”, sendo a “economia” a administração da casa e a “ecologia”, o estudo da casa. Tomando-se o planeta Terra como a referência comum de “casa”, conclui-se ser fundamental a sinergia entre os princípios econômicos e os ecológicos
    para a sustentação dessa “casa” a longo prazo.

    9 Insights Macroplan: Uma agenda de renovação competitiva das associações empresariais brasileiras. Disponível em: <https://www.macroplan.com.br/p/macroplan-business-insights-1/>.

    10 Do inglês “shareholder capitalism” e “stakeholder capitalism”.

    11 Sigla para substâncias per e polifluoroalquil, também conhecidas como “químicos eternos”.

    12 Como atestam os debates sobre os requisitos de desenho sustentável de produtos no âmbito da União Europeia e o estudo propositivo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o papel de instituições da sociedade para a economia circular.

    13 Para saber mais sobre as condições para um impacto coletivo, ver: <https://collectiveimpactforum.org/what-is-collective-impact/>.

    14 Algumas possíveis perguntas mobilizadoras: como a empresa (ou o setor) pode se adaptar às novas demandas e regulamentações relacionadas à economia circular?; como a empresa (ou o setor) pode aproveitar os resíduos gerados como insumos para novos produtos ou serviços?