Gestão Estadual

Estados devem focar na qualidade da gestão e continuidade dos projetos

6 de dezembro de 2018

Em revista Exame – por Letícia Naísa e Natalia Flach
Apesar de tudo, todos os estados brasileiros avançaram nos últimos 10 anos
Um estudo mostra que as 27 unidades da federação conseguiram — entre altos e baixos — melhorar em dez anos. Agora, a maioria precisa reequilibrar as contas
Às 7h30, o pátio do colégio Tiradentes, da Polícia Militar, fica apinhado de estudantes. Depois de cantar o Hino Nacional, os alunos do pequeno distrito de Jaci-Paraná, pertencente a Porto Velho, em Rondônia, seguem rumo às salas da 6a série ao 3o ano do ensino médio para aprender lições que vão além do que está escrito nos livros didáticos. Aprendem que o estudo pode prover uma condição de vida melhor para eles e para a região, que teve sua realidade transformada desde 2009, com a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira. A comunidade de 4.000 ribeirinhos recebeu boa parte dos 25.000 operários que foram trabalhar nas obras e acabou se tornando vítima de criminalidade da noite para o dia.
Com o crescimento populacional, a única escola do distrito acabou não tendo vagas suficientes, e a saída foi erguer o Colégio Tiradentes, inaugurado em 2014. No primeiro dia letivo, às 6 horas da manhã, jovens de chinelo, camiseta branca e calça jeans se enfileiravam à espera da abertura dos portões. “Muitos deles eram analfabetos funcionais”, diz a capitã Erika Ossuci, a primeira diretora da escola. A solução para levantar o moral dos 842 estudantes e capacitá-los o mais rápido possível foi criar atividades extracurriculares, como aulas de reforço, esportes, música e ciência e tecnologia. O resultado apareceu logo: o Tiradentes foi o primeiro colocado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica do estado em 2017.
O avanço, no entanto, não se restringiu a esse colégio. De acordo com um levantamento da consultoria MacroPlan, e obtido com exclusividade por EXAME, Rondônia foi o estado que mais galgou posições na comparação com as demais unidades federativas no campo educacional. Nos últimos dez anos, Rondônia saiu da última colocação para o 12o lugar no ranking de desempenho em ensino dos 26 estados mais o Distrito Federal.
Entre os motivos está a implantação de uma política de correção de distorções relacionadas à idade do aluno e ao ano que ele cursa — um dos principais problemas identificados na rede. Também se deveu ao aumento do número de horas que os estudantes passam nas escolas e a um acompanhamento pedagógico mais detalhado feito pelo comitê gestor de políticas públicas, que se reúne bimestralmente para avaliar resultados e planejar ações. “Também investimos em escolas profissionalizantes, em parceria com o Instituto Oi Futuro, de modo a aprimorar a gestão escolar”, afirma Daniel Pereira, governador de Rondônia.
Graças à melhoria em educação e em outros indicadores, Rondônia foi a unidade que mais evoluiu na última década quando analisado o conjunto de categorias que compõem o Índice Geral de Desempenho dos Estados 2018, estudo que segue metodologia semelhante à do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Ao todo, foram analisadas dez categorias: saúde, educação, infraestrutura, segurança, desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, condições de vida, juventude, capital humano e situação institucional.
No geral, o que se vê é que todos os estados avançaram na última década. Mas o abismo entre regiões se manteve: o Distrito Federal, primeiro colocado no levantamento, é seguido de perto por São Paulo e demais estados do Sudeste, Sul e Centro-Oeste nas 11 primeiras posições do ranking. Só então aparece Rondônia liderando os blocos do Norte e do Nordeste. “A crise econômica aumentou as desigualdades com efeitos perversos sobre as camadas mais pobres da população. Para piorar, os estados enfrentam atualmente uma crise fiscal com comprometimento de seu orçamento e endividamento elevado”, analisa Luiz Felipe Lópes-Calva, diretor regional para América Latina e Caribe do Pnud.
O aperto fiscal dos estados ocorre principalmente por três fatores: desequilíbrio no fluxo de receitas e despesas correntes, dívidas antigas e orçamento comprometido pela folha de pagamentos dos servidores. Ter as contas públicas equilibradas é uma condição para que os estados possam obter novos empréstimos com garantia da União, e isso só é permitido aos que têm notas A ou B no ranking elaborado pelo Tesouro Nacional.
No levantamento de 2018, com base nos dados de 2017, apenas o Espírito Santo tirou letra A. Isso se deveu ao controle continuado das contas adotado pelo governador Paulo Hartung (sem partido, e por três vezes ocupante do cargo) e seu sucessor, Renato Casagrande (PSB), recém-eleito para um segundo mandato. “Temos a cultura de gestão fiscal responsável. Entreguei o governo para o Hartung com letra A e ele está me devolvendo na mesma situação. É importante trabalhar com cautela, pois não sabemos como será o governo de Jair Bolsonaro. Então, não faço promessas vãs de reajustes para determinadas categorias, por exemplo”, afirma Casagrande.
O cenário de aperto fiscal e a descontinuidade de projetos fizeram com que 17 dos 27 unidades federativas piorassem no quesito segurança, com destaque para o crescimento da taxa de homicídios. Na área de desenvolvimento econômico, mais da metade deles registrou perdas em dez anos, o que acaba afetando, inclusive, as expectativas para a área da educação. De acordo com projeção da MacroPlan, nenhum dos 27 estados deverá alcançar até 2021 as metas de ensino médio estabelecidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em linha com as definições da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Mas não é apenas a questão orçamentária que explica avanços ou retrocessos em determinadas áreas.
A resposta também passa pela qualidade da gestão e pela continuidade dos projetos, segundo Gustavo Morelli, sócio e diretor da MacroPlan. Em Mato Grosso do Sul, a continuidade das estratégias na área de saúde foi fundamental para o destaque no ranking. “Se houver uma quebra de linha de gestão a cada governo, nós não vamos avançar. A universalidade do Sistema Único de Saúde gera uma sobrecarga e, se não houver continuidade de ações, para reforçar e trazer maturidade ao sistema, estamos fadados ao insucesso”, diz Gyselle Tannous, secretária adjunta de Saúde de Mato Grosso do Sul, que subiu dez posições em dez anos no ranking geral. Em 2018, o estado investiu 1,1 bilhão de reais em saúde (cerca de 12% de sua arrecadação).
Duas ações de atendimento e vigilância ganharam destaque nos últimos anos em Mato Grosso do Sul. A primeira foi o projeto Caravana da Saúde, implantado em 2015 para levar atendimento a regiões remotas, passando por escolas e aldeias indígenas. A segunda foi em tecnologia. A Secretaria de Saúde desenvolveu um aplicativo para controle de dengue, zika e chikungunya, três doenças que proliferaram na última década.

O aplicativo recebeu o nome de eVisita Endemias e está sendo utilizado em 49 municípios do estado por agentes de saúde para estudar melhores estratégias de combate a doenças propagadas por mosquitos. Os agentes registram por meio do aplicativo se há riscos sanitários ou sociais nas regiões visitadas. As informações são enviadas a uma central, que elabora planos de ação. Segundo Tannous, foi assinado em novembro um acordo de cooperação técnica com Pernambuco para uso do aplicativo. Eis um bom caminho: estados aprenderem com experiências já testadas por outros.
Outro ponto importante para a evolução de Mato Grosso do Sul foi a descentralização, com mais atenção às redes de saúde básica. “Temos hoje as equipes de saúde da família atuando em todos os nossos municípios”, afirma Tannous. Tal tipo de atenção às redes municipais e estaduais é, atualmente, um dos maiores gargalos da saúde pública no país, de acordo com Gonzalo Vecina, professor assistente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

“Quando chega um paciente em estado grave, o médico de saúde da família tem de encaminhar para um especialista. O problema para fazer isso é que não existe integração entre as redes”, afirma Vecina. Para ele, parcerias entre instituições públicas e privadas (PPP) fazem com que a saúde avance mais. “A iniciativa privada tem uma capacidade de gestão que pode ajudar o SUS por meio de parcerias ou organizações sociais. Esse é um papel importante. Outro é atender via convênios com o SUS, porque 65% da rede hospitalar brasileira é privada. Além disso, as parcerias melhoram a eficiência da gestão, que, por sua vez, melhora o Estado”, diz Vecina.
O modelo de PPP foi fundamental para que Alagoas, um dos estados do pelotão dos piores, pudesse reduzir a taxa de mortalidade infantil e, assim, ganhar cinco posições no ranking geral. O governo local fez parceria com o Hospital do Coração de Alagoas, por meio da Fundação Cordial, para atendimento de crianças com problemas cardíacos. Iniciativas de atendimento pré-natal a gestantes e programas como o Primeira Infância, que promove desenvolvimento de saúde para mães e crianças, também foram peças-chave para a melhoria do índice no estado.

“Com a continuidade da implementação das políticas integradas, esperamos que a curva da mortalidade infantil continue em queda”, afirma Christian Teixeira, secretário de Saúde de Alagoas. Dez anos atrás, o estado registrava 21,5 mortes de crianças até 1 ano a cada 1.000 nascidas. Atualmente, o índice é de 14,3. A média brasileira é de 12,7. Ou seja, mesmo com a redução, Alagoas continua com uma taxa mais alta do que a do Brasil no geral, parecida com a de países como Síria e Panamá (ambos com 14 mortes por 1.000 nascimentos).

No caso da Paraíba, uma unidade hoje situada no meio da lista, houve uma melhoria notável na infraestrutura: de 2007 para cá, o estado subiu dez posições no ranking da área. Em oito anos, investiu 1,5 bilhão de reais na construção e na recuperação de 2.600 quilômetros de estradas. “Em 2011, a Paraíba tinha 54 cidades sem ligação por estrada asfaltada”, afirma Deusdete Queiroga, secretário de Infraestrutura, Recursos Hídricos, Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia da Paraíba.

Durante dois mandatos, de 2011 a 2018, foi colocada em prática uma promessa de campanha de Ricardo Coutinho (PSB) e hoje, segundo Queiroga, não há nenhum município na Paraíba sem ligação por asfalto. Outro problema que recebeu atenção nos últimos oito anos foi a seca. Parte dos recursos estaduais foi destinada aos programas Água Doce e Água para Todos. Ambos buscaram levar recursos hídricos para regiões mais afetadas pela seca. A expectativa é que tanto as iniciativas de abastecimento quanto de malha rodoviária continuem sendo prioridades, porque o governador eleito, João Azevêdo (PSB), foi o secretário antes de Queiroga, de 2011 a abril de 2018, quando saiu para concorrer nas eleições.

Uma posição apenas acima da Paraíba no ranking geral está o Ceará (14o). O estado perdeu duas colocações em dez anos devido ao mau desempenho relativo em áreas como segurança (área em que caiu seis posições). Mas conseguiu subir seis postos em desenvolvimento econômico — ocupa o 18o lugar nesse quesito. Na avaliação de especialistas, mesmo sendo uma posição considerada ainda baixa, o Ceará colheu frutos por ter feito uma lição de casa em termos de gestão. “É um estado que fez um esforço para resolver a parte fiscal, o que atrai empresários e investimentos”, diz Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B.

Um exemplo é a Aeris Energy, empresa que produz 3.000 pás para aerogeradores ao ano e fatura mais de 200 milhões de dólares vendendo na região e exportando. Além do potencial dos ventos, o que atraiu empresários paulistas a fazer esse investimento foi a estrutura portuária, essencial para o comércio exterior. Para Alexandre Negrão, presidente e sócio da Aeris, o porto de Pecém, vizinho a Fortaleza, teve uma melhora significativa desde que a empresa se instalou lá em 2010. “O Ceará tem seus desafios. Não tem a mesma receita dos estados do Sudeste, mas é financeiramente saudável e vem se desenvolvendo”, diz Negrão.

O equilíbrio nas contas públicas é, sem dúvida, um dos pontos-chave para a continuidade da evolução. “O cenário de descontrole acaba tendo impacto sobre o custo de capital, o que explica por que os investidores de longo prazo continuam receosos em investir no Brasil”, afirma Ernesto Lozardo, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Uma das urgências é a reforma das previdências estaduais. Caso nada seja feito, a situação tende a piorar com o envelhecimento da população e com os pedidos de aposentadoria que sobrecarregam as contas. De acordo com um levantamento da Tendências Consultoria, 48% do orçamento de São Paulo está comprometido com o pagamento de pensão para servidores inativos.

Pior é a situação de Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, onde os salários estão atrasados há meses. “Existem dois problemas comuns a todos os estados: cerca de 85% da folha é composta de categorias especiais, como médicos, professores e policiais, que podem se aposentar mais cedo. Além disso, quando é aprovado um reajuste para servidores ativos, ele beneficia também os inativos. Daí a conta não fecha”, diz Fábio Klein, economista da Tendências. Logo, o desafio dos próximos governadores não será fácil: debater com a sociedade o fim de privilégios para abrir espaço a novos investimentos. Afinal, os estados brasileiros ainda têm muita defasagem nos quesitos que indicam seu estágio de desenvolvimento — e o do país.

A escolaridade média da população com 25 anos ou mais, que em 2017 só superou a marca dos dez anos de estudo — o equivalente à média do Chile — em três unidades federativas, ainda será um sonho em 19 estados em 2022. No mesmo ano, apenas Santa Catarina deverá alcançar a expectativa de vida ao nascer da média dos países ricos em 2017, de 80 anos. E pelo menos dez estados continuarão a ter menos da metade da população atendida por coleta de esgoto. Os estados podem ter avançado nos últimos dez anos, mas ainda há muito por fazer até que todos os brasileiros tenham melhores condições de vida.