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Por que o setor público precisa inovar?

29 de agosto de 2019
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    André Tamura, Lincon Shigaki e Tainá Vital | WeGov

    Governos ao redor do mundo têm enfrentado desafios cada vez mais complexos – descrença da população, restrições orçamentárias, aumento crescente das expectativas dos cidadãos, entre outros. Esse contexto turbulento tem exigido uma nova forma de operar dentro do setor público. Estudos de caso mostram que é possível economizar de 20% a 60% dos recursos destinados ao setor e, ao mesmo tempo, aumentar a satisfação do usuário com os serviços oferecidos. No estudo liderado pela Unidade de Inovação do Reino Unido (Nesta Lab) intitulado Radical Efficiency, esse resultado indica que não basta melhorar as práticas existentes. É preciso também compreender as novas expectativas da sociedade e, a partir daí, construir novos e melhores serviços.

    Sob a luz da urgência de entregar “mais com menos”, a inovação no setor público ganha relevância. Não se trata, porém, de um tema novo, uma vez que este vem sendo discutido desde a década de 60. Também não se trata de uma cultura já consolidada. Por isso os gestores públicos precisam demonstrar cada vez mais consciência do processo e não deixar que a inovação se dê somente de forma ocasional e isolada. Instituições mais inovadoras utilizam uma abordagem sistemática para criar soluções que efetivamente enfrentem seus principais desafios.

    Em uma sociedade em que os recursos tecnológicos proporcionam meios pelos quais o cidadão pode participar ativamente da elaboração dos produtos que consome, não faz sentido que tais recursos não estejam sendo aplicados também para que ele exerça a sua cidadania. Essa cultura e esse mecanismo precisam ser levados ao serviço público, possibilitando a cocriação de soluções para problemas específicos, cada um em seu contexto.

    Fechando o porquê de inovar, destacamos três desafios que vão impulsionar a inovação no setor público:

    Fonte: WeGov.

    O que é inovação no setor público

    Segundo OPSI-OCDE (Observatório de Inovação no Setor Público da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), inovação é o processo de implementar abordagens originais para obter impacto. No setor privado, tal impacto pode ser comparado à vantagem competitiva. Já no setor em questão, valores mais complexos entram em cena. Pode-se descrever o desenvolvimento da inovação no setor público a partir de três dimensões principais:

    1. Novidade. A introdução de abordagens inéditas ou a aplicação de abordagens existentes a diferentes contextos.
    2. Implementação. A inovação deve, de alguma forma, ser implementada ou, pelo menos, ter influência tangível. Não pode se resumir a uma ideia, uma política no papel, uma invenção nunca adotada.
    3. Resultado. A inovação deve trazer resultados públicos que, idealmente, incluem eficiência, eficácia e maior satisfação.

    A inovação pode abranger grandes ou pequenas mudanças. Pode se referir a propostas mais seguras, bem como a experimentos sem garantia de sucesso. Pode variar de um piloto (inovação aplicada em um contexto específico, ainda que temporário) a uma intervenção em toda a sociedade.

    Fica evidente que o conceito de inovação é amplo pelas múltiplas formas como se concretiza. No serviço público, contudo, existem algumas formas mais recorrentes:

    Cristian Bason, ex-diretor do MindLab (laboratório de inovação do governo dinamarquês), defende que, para estabelecer um novo paradigma de inovação, as lideranças precisam construir uma “estrutura” favorável, refletida na forma como os agentes públicos pensam e agem. [1] Essa construção ocorre a partir de quatro mudanças simultâneas:

    1. Mudança da inovação ocasional para uma abordagem consciente e sistemática de modernização do setor público.
    2. Mudança na forma de gerir recursos humanos tendo em vista a formação de capacidades de inovação em todos os níveis de governo.
    3. Mudança na execução de tarefas e projetos para orquestrar processos de cocriação utilizando-se de novas abordagens de trabalho participativo.
    4. Mudança no modo de gerir uma organização pública para liderar inovação através e além do setor governamental (com outras instituições públicas, com a sociedade civil organizada, com o setor privado, etc.).
    • A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) foi amplamente reconhecida em premiações pela inovadora criação do aplicativo PMSC Mobile. Trata-se de uma ferramenta para a gestão de atendimento de ocorrências que resultou em agilidade no serviço, melhoria no desempenho operacional e maior segurança pública.
    • O sucesso dessa iniciativa evidenciou outra demanda: a de levar tal tecnologia até o próprio cidadão para que ele possa registrar ocorrências quando necessário. Durante o HubGov [2] 2017, a PMSC apresentou ainda o protótipo do aplicativo PMSCidadão justamente para melhorar a interação com o cidadão, em especial em situações de emergência.
    • O caso da PMSC revela um padrão: as organizações que costumam ter mais sucesso nas inovações são as que mais conseguem “conectar os pontos”. A inovação acontece ao longo de uma cadeia de eventos e se fortalece com a prática sistemática.

    Os benefícios da inovação no setor público são largamente reconhecidos, até porque nenhuma liderança pública se posiciona “contra” a inovação. Porém, apesar de a inovação ser intensamente proclamada, a cultura organizacional no setor pode agir como barreira e frear a mobilização para mudanças. Assim, jogar luz sobre as barreiras ajuda a reconhecer padrões pessoais e coletivos que impedem novos comportamentos que levem à inovação.

    Quais são as barreiras da cultura organizacional para a inovação no setor público?

    Brandão e Bruno-Faria [3] realizaram uma pesquisa no âmbito do governo brasileiro sobre as barreiras da inovação entrevistando dirigentes de organizações de diferentes áreas de atuação. Embora a amostra se limite ao Executivo federal, as barreiras são similares às verificadas em outros Poderes e esferas.

    As principais barreiras identificadas, em ordem de frequência, são:

    Fonte: WeGov.

    Em nossas entregas, percebemos que uma das maiores dificuldades é identificar e gerenciar riscos. A ausência de uma mentalidade de experimentação muitas vezes paralisa as pessoas. Se há uma cultura de penalização severa na organização ou se a cultura é de orientação para testes que possam gerar aprendizado organizacional, com certeza os resultados serão diferentes e no segundo cenário haverá mais possibilidade de inovação.

    Para que esse segundo cenário se torne a realidade da instituição, é necessário estimular a capacidade dos servidores de desenvolver soluções inovadoras, por exemplo:

    E a capacidade de inovação?

    A capacidade de inovação é construída a partir de três pilares:

    Fonte: WeGov.

    1. Governança

    Institucionalizar a inovação implica criar peças que possam formar o “marco legal” da inovação no órgão, a fim de que a prática esteja conectada com a cultura e os objetivos a serem atingidos. Dessa forma, a inovação será incorporada ao trabalho utilizando-se regras, estruturas e princípios mais adequados à complexidade dos problemas.

    Um exemplo de “regimento” é a Declaração sobre Inovação no Setor Público, criada pela OCDE Legal Instruments e adotada em diversos países, incluindo o Brasil. A Declaração visa nortear um movimento em prol da inovação, por meio do qual as instituições participantes assumem o compromisso de buscar novas abordagens para melhor servir os cidadãos. Baseia-se em cinco princípios fundamentados em um conjunto de ações práticas para legitimar e incentivar a inovação:

    A Declaração oferece uma diretriz que auxilia a criação de uma linguagem comum em torno do que a instituição entende por inovação, permitindo que diferentes setores se comuniquem e trabalhem de forma alinhada. Em alguns casos, é interessante estabelecer indicadores/noções de sucesso para mensurar os resultados esperados e sua evolução.

    A institucionalização da inovação pode trazer mudanças até mesmo no nível individual. Pois não deixa de ser uma oportunidade para o servidor revisitar comportamentos a partir das diretrizes da instituição, entendendo o que será “incentivado” e o que precisa ser mudado, seguindo os novos conceitos da inovação.

    Para auxiliar essa mudança cultural, tem sido frequente a criação dos Laboratórios de Inovação no Setor Público, com a finalidade de liderar essa governança. Tais estruturas propõem políticas específicas e oferecem um portfólio de ações para criar soluções, além de disseminar culturas e metodologias mais favoráveis à inovação.

    • Um exemplo é o Laboratório de Inovação na Gestão (LAB.ges), uma iniciativa da Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo (Seger) surgida em 2017, com a qual atuamos, após a criação, na realização de uma oficina sobre criação e operação de Labs de Inovação da WeGov. Trata-se de um ambiente pensado para incentivar atitudes empreendedoras e fomentar a utilização de ferramentas e metodologias inovadoras.
    • A meta é promover a inovação na gestão pública, transformar a cultura organizacional e desenvolver soluções para enfrentar os desafios do governo. Tudo o que foi e continua sendo feito depende do envolvimento da equipe com o projeto.

    2. Pessoas

    As instituições públicas devem investir na potencialidade e na capacidade dos servidores públicos como catalisadores da inovação. Isso inclui a construção de uma cultura que permita o desenvolvimento de profissionais – qualificados para o tempo/espaço atual – que entreguem valor para as suas organizações.

    Quais seriam então as habilidades do servidor público inovador? A fim de responder a essa questão, o Apolitical – uma rede global para governos que se propõe a ajudar os funcionários públicos a enfrentar os desafios da sociedade atual – sintetizou as habilidades necessárias ao servidor do futuro em tópicos. Listados a seguir, eles foram elaborados considerando os frameworks de competência dos governos do Reino Unido, da Austrália, da Nova Zelândia, do Quênia, da Austrália Meridional e da África do Sul, além dos de organizações como as Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e o Nesta, uma fundação global de inovação localizada no Reino Unido.

    3. Formas de trabalho

    A importância da cocriação parece ser uma unanimidade entre os pesquisadores da inovação no setor público. Indo além de práticas tradicionais, como conselhos, comitês ou audiências, a cocriação é um processo em que as soluções são projetadas “com” as pessoas e não “para” elas. A natureza participativa, e não só coletiva, permite dois benefícios principais:

    A prática do design thinking tem se mostrado eficiente na resolução de problemas por apresentar estruturas em que se pode participar efetivamente do processo, liberando criatividade e projetando soluções a partir de necessidades. Sendo assim, as organizações precisam desenvolver um “olhar de designer”, buscando soluções que tenham significado emocional e funcional para o público-alvo.

    • Ao longo de 2016, a Secretaria de Comunicação do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) participou de uma oficina de comunicação no setor público da WeGov. Diante do desafio de humanizar as relações com a população, foi criada por eles uma novela em um determinado perfil do Facebook em que a personagem principal, chamada Justina, compartilha suas experiências profissionais e pessoais com seus seguidores.
    • A novela durou seis temporadas, cobrindo as fases profissionais da protagonista: jovem-aprendiz, estagiária, empregada celetista, desempregada, empreendedora e gestora em uma grande organização. Em cada temporada, Justina passava por situações comuns na vida dos brasileiros e tinha a oportunidade de contemplar as principais dúvidas relativas ao direito do trabalho sob as diversas perspectivas de sua vida profissional.
    • A equipe do TRT-2, ao focar a necessidade de seu público, percebeu a oportunidade de se aproximar da audiência lançando mão de uma linguagem diferente da usual no Poder Judiciário. Além disso, as técnicas de cocriação com a equipe e a sociedade geraram o engajamento necessário para reunir competências e lançar o projeto, que posiciona a comunicação do tribunal como prestadora de um serviço público.

    É necessário ainda que o trabalho no setor público tenha como ponto de partida a experiência do cidadão e não as obrigações legais e as definições burocráticas do órgão, por mais que estas sejam importantes. Para isso serve o olhar do design, que cria estruturas que possibilitam construir um novo setor público, mais relacional e mais preocupado com a experiência do cidadão e das organizações.

    É importante colocar ideias em prática, mesmo que as primeiras tentativas sejam em um contexto controlado por baixos riscos. Enxergar os impactos de uma solução produz um efeito marcante nos servidores envolvidos.

    Além disso, a concretização do resultado e a realização da equipe contagia a instituição, encorajando e mobilizando pessoas para uma prática inovadora. A busca pela inovação se apresenta como um caminho potente para atender às necessidades de nossa sociedade.


    [1] Bason, Cristian. Leading Public Sector Innovation: Co-creating for a better society: Policy Press, 2010.

    [2] Programa de inovação desenvolvido pela WeGov. Para mais detalhes ver: https://www.wegov.net.br/servicos.

    [3] BRANDÃO, S; BRUNO-FARIA, M. Barreiras à inovação em gestão em organizações públicas do governo federal brasileiro: análise da percepção dos dirigentes. In: CAVALCANTE, P. et al. (Org). Inovação no setor público: teoria, tendências e casos no Brasil. Brasília: Enap/Ipea, 2017. pp. 177-201.


    Elaboração

    André Tamura – WeGov | Autoria

    Lincon Shigaki – WeGov | Autoria

    Tainá Vital – WeGov | Autoria

    Adriana Fontes | Revisão técnica

    Kathia Ferreira | Revisão de texto

    Luiza Raj | Projeto gráfico

    Tatiane Limani | Projeto gráfico